E viva a guerra de informações!!!
Bush cria a Roma da mentira
As Forças Armadas americanas estão sob a suspeita de terem armado uma das maiores manipulações jornalísticas dos últimos tempos. Todo mundo lembra da soldado resgatada num hospital de Nassiriya, no Iraque. A tropa parecia saída de filme e a operação passou na TV, com aquelas imagens esverdeadas que acrescentam drama e sugerem veracidade. (O vídeo, de cinco minutos, foi gravado, editado e distribuído pelo Pentágono.)
No dia 23 de março, a lourinha Jessica Lynch, de 19 anos, viu-se capturada depois de enfrentar o inimigo, gastando toda sua munição. Foi ferida a bala e a faca. Foi espancada no hospital. Na madrugada do dia 2 de abril, o comando militar americano reuniu a imprensa para contar uma grande história. A mesma que o secretário Donald Rumsfeld contara ao presidente Bush por telefone. Num lance heróico, tropas especiais invadiram o hospital, tiraram Jessica da cama e puseram-na num helicóptero. Uma bandeira americana ajudava a cobri-la, numa maca. O general Vincent Brooks, porta-voz das tropas americanas disse assim: “Alguns bravos puseram suas vidas em risco para que isso acontecesse. Eles são fiéis ao nosso credo de não abandonar o camarada”.
Deu no “The New York Times” que seu pai esperava notícias de Jessica na varanda de sua casa, no alto de uma colina, olhando para o gado no pasto. A casa dos Lynch fica num vale, não tem pasto, muito menos gado. Era tudo mentira do famoso Jayson Blair, o repórter que inventava suas histórias. A história de Blair pertence à crônica das fraudes jornalísticas e poucas vezes um cascateiro teve tamanha notoriedade.
O resgate da soldado Lynch foi uma cascata mais desonesta, produzida pelo Pentágono e distribuída aos otários. A maior potência do mundo está sob a influência de mistificadores vulgares. Uma coisa dessas acontecendo em Washington é muito mais perigosa que Saddam Hussein em Bagdá.
A soldado Lynch não levou tiro algum nem foi espancada. Se resistiu ao fogo inimigo, não se sabe. É possível que tenha quebrado as duas pernas e um braço quando o caminhão em que estava foi emboscado e capotou. Pior: seu resgate foi uma encenação.
Há duas semanas, a BBC mostrou um documentário demonstrando que a invasão do hospital de Nassiriya pelas tropas americanas foi desnecessária. O exército iraquiano havia abandonado a cidade na véspera. Ela recebia um tratamento melhor do que os EUA dão aos seus prisioneiros em Guantanamo. Deram-lhe três litros de sangue, doados pela equipe de funcionários do hospital. Os médicos que tratavam da jovem colocaram-na numa ambulância para levá-la às linhas americanas. A ambulância foi recebida a bala. Mandaram recados. Nada.
Um dos médicos iraquianos que cuidou de Jessica diz que a invasão do hospital foi coisa de Hollywood, tipo “Sinbad, o marujo”, ou Sylvester Stallone. Uma equipe da Associated Press conferiu e informa: 20 médicos e enfermeiras do hospital de Nassiriya afirmam que o espetáculo era desnecessário. Em nenhum momento o Pentágono informou que aquelas cenas esverdeadas ocorriam num hospital onde não havia tropa nem resistência.
Quando a história começou a cheirar mal, surgiram informações de que Jessica está com amnésia. Falso, diz sua família. O pai e os irmãos se recusam a falar sobre a captura e o resgate da moça. Ela apenas manda dizer que “Jessica nunca quis ser transformada em heroína”.
Pode-se argumentar que um toque de teatro nos noticiários de combates faz parte do negócio. As duas fotografias mais famosas da Segunda Guerra foram encenadas. A bandeira de Iwo Jima foi hasteada para que Joe Rosenthal pudesse fotografá-la. Os fuzileiros estavam numa boa, atrás das linhas americanas. Com a foice e o martelo no topo do Reichstag foi pior. A bandeira, costurada por um alfaiate em Moscou, andava na mala do fotógrafo Eugeni Khaldei. Mais: ele teve que apagar o segundo relógio do pulso do soldado, expropriado a algum alemão. Durante décadas acreditou-se que o soldado era um russo. Descobriu-se que isso era coisa do marechal Stalin. O rapaz da fotografia é um ucraniano que ficou calado para salvar a própria pele.
Ainda não esfriou o resgate da soldado Lynch e descobre-se que o tal bunker do Saddam, bombardeado com 40 mísseis Tomahawk (US$ 30 milhões) na primeira hora da guerra, nem bunker era. A patuléia soube que a CIA tinha localizado o subterrâneo onde estavam Saddam, seus filhos e a cúpula do governo. Bush, pessoalmente, autorizou esse bombardeio. Agora sabe-se que não localizaram coisa nenhuma. As casas destruídas pelas bombas eram apenas casas.
Por falar nisso, estão vivas as seguintes personalidades mortas: Saddam Hussein, Osama Bin Laden, Mulá Omar (aquele da venda no olho).
Fonte: www.oglobo.com.br (Coluna de Elio Gaspari)
