O Admirável Novo Jornalismo
Alcino Leite Neto
Uma revolução silenciosa está ocorrendo na imprensa internacional e brasileira há algumas décadas e sua culminância não está longe. Trata-se do fim do jornalismo tradicional e o surgimento de um híbrido que incorpora mecanismos da publicidade, bem como do entretenimento.
Não vem ao caso, aqui, se as publicações têm cada vez mais anúncios, se utilizam recursos superficiais da forma publicitária ou se estão menos críticas em relação a certos processos, produtos e personalidades, tornando-se assim agentes indiretos de divulgação.
O que interessa é apontar como a publicidade, com suas normas e sistemas para vender um produto, se infiltrou nos organismos jornalísticos e transformou a imprensa em outra coisa: em "publijornalismo", para cunhar um neologismo provisório.
Essa mutação presume que todos os elementos morais ou transcendentes agregados ao jornalismo ao longo de sua história já se extinguiram ou estão em via de chegar ao fim. Ou seja, presume que o jornalismo já não se alimenta dos chamados valores superiores por meio dos quais ele se colocava como consciência da realidade e fazia da própria realidade um objeto que devia decifrar.
No intercâmbio realidade-jornalismo, o leitor ocupava o lugar de espectador passivo, sobre o qual a imprensa exercia um poder de influência, denúncia ou esclarecimento. Eram sobretudo os leitores que aderiam aos jornais, e não vice-versa. A adesão do leitor às publicações era de feitio ideológico (fossem as publicações pluralistas ou não) ou de gosto e posição de classe (fossem de elite ou populares).
Por isso havia publicações que se opunham umas às outras, diferindo em tudo. A personalidade de uma publicação era algo intrínseco, porque, antes de existir para o leitor da média estatística, ela respondia a uma certa demanda presumida de valores (de esquerda ou direita, religiosos ou laicos) de uma sociedade heterogênea.
O jornalismo pôde se manter, assim, no bojo do capitalismo (que, aliás, lhe deu a configuração primordial), como um produto excepcional: nem tanto mercadoria nem tanto cultura, mas uma mercadoria ideológica.
Admirável meio novo, o "publijornalismo" não vê no que faz outra coisa senão um produto. A noção de mercadoria é generalizada dentro das publicações e atinge todos os seus processos, mesmo os que dizem respeito às iniciativas de crítica, de explicação, elucidação, investigação ou contestação próprias da imprensa.
O "publijornalismo' só contesta, elucida ou investiga porque está vendendo um melhor produto e vendendo a si mesmo o tempo todo, e não porque julga, como seu antepassado (o jornalismo), que estará também influindo numa determinada realidade ou cumprindo um papel cultural ou ideológico numa sociedade.
A informação como produto, puro e simples, não significa que o valor simbólico da notícia tenha sido abandonado: o próprio conteúdo passou para a escala do consumo, e o acontecimento ele mesmo tornou-se apenas uma mercadoria aos olhos da rede universal do "publijornalismo" e sua espetacularização da realidade.
A imprensa ainda vive essa situação como um problema, mas logo o drama chegará ao fim.

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