Enquanto Natália relaxa na ilha de Itamaracá, eu, Carol, posto aqui uma matéria ótima que ela escreveu para editoria de Economia do Jornal do Commercio:
Crise atinge as cooperativas
12/Jan/2003
Criadas para tornar a produção de pequenos agricultores mais competitiva, as cooperativas rurais vivem uma situação difícil. Falta de crédito é o principal problema
por NATÁLIA KOZMHINSKY
Utilizadas como uma forma estratégica de viabilização sócio-econômica pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as cooperativas agrícolas sofrem hoje a sua maior crise. As cooperativas são empresas formadas por sócios (cooperados) que se reúnem com o propósito de explorar uma atividade econômica eliminando ao máximo os intermediários e, com isso, buscando uma maior competitividade. Hoje, entretanto, as cooperativas se transformaram numa ferramenta política e financeira de discussão e criação de propostas alternativas de desenvolvimento.
Segundo dados do MST, existem mais de 20 mil cooperados espalhados por cerca de 700 municípios em todo País, produzindo desde alimentos de primeira necessidade como frutas, grãos e até produtos industrializados como o jeans. Em Pernambuco há 15 cooperativas, sendo duas regionais, 12 de produção e uma estadual.
Criadas em 1988, as cooperativas do MST receberam diversos prêmios internacionais, entre eles, o prêmio da Associação dos Engenheiros Industriais da Catalunha pelo desenvolvimento de projetos agrários no Rio Grande do Sul. No entanto, a partir de 2000, elas passaram a sofrer denúncias de desvio de verbas federais e de cobrar “pedágios” dos assentados ilegalmente.
O coordenador regional do MST, Jaime Amorim, atribui a crise das cooperativas no País à falta de investimentos públicos. “As cooperativas necessitam de financiamentos para se desenvolver e poder investir em assistência técnica e novos equipamentos. Não há crédito para as cooperativas agrícolas do MST e sem crédito nós não podemos produzir”, argumenta Amorim.
Amorim também negou que existissem qualquer tipo de irregularidade nas cooperativas e criticou o ex-ministro da Reforma Agrária Raul Jungmann, segundo ele, o principal articulador das denúncias.
O superintendente do Incra no Estado, Geraldo Eugênio, rebateu às críticas de Jaime Amorim. “O grande erro das cooperativas do Nordeste é que elas deixaram de ser do grupo de assentados e passaram a se personificar em algumas pessoas. E, de fato, o dinheiro destas cooperativas não estavam sendo bem administrado. O que fez com que as cooperativas enfrentassem esta crise. Agora, em relação ao ex-ministro Raul Jungmann, se a reforma agrária não se desenvolveu como tinha que ser, houve realmente um avanço”, disse Eugênio. No entanto, o superintendente admitiu que as cooperativas representam um bom modelo de desenvolvimento agrário.
“Não há o Fome Zero sem reforma agrária”
12/Jan/2003
Ex-deputado pernambucano pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Clodomir Morais trabalhou como conselheiro para a capacitação de trabalhadores da Organização das Nações Unidas (ONU) durante 22 anos. Ao longo desse período, atuou em diversos países da América Latina e Europa, entre eles Peru, México e Portugal. Clodomir também participou da capacitação de centenas de trabalhadores rurais assentados e auxiliou no processo de formação das cooperativas agrícolas ligadas ao Movimento dos Sem Terra (MST).
Hoje, ele é professor de Sociologia da Universidade Federal de Rondônia e coordenador do Instituto de Apoio Técnico aos Países de Terceiro Mundo, Iattermund. Autor de mais de 20 livros, que têm como temas centrais a reforma agrária e a geração de emprego e renda, criador do Método de Capacitação Massiva utilizado pelo MST em Rondônia, Clodomir Morais, em entrevista à repórter Natália Kozmhinsky, fala sobre o futuro das cooperativas agrícolas e a questão agrária no Brasil.
JORNAL DO COMMERCIO – Como surgiu o seu Método de Capacitação Massiva?
CLODOMIR MORAIS – Surgiu com o propósito de gerar postos de trabalho e renda para a população mais carente. A minha primeira experiência prática foi na década de 60, com as Ligas Camponesas, onde comecei a capacitar trabalhadores agrícolas para criar as empresas.
JC – E como foi essa sua experiência no exterior?
MORAIS – Bem, a minha experiência foi bem interessante, porque no momento em que era proibida a organização dos trabalhadores no Brasil, principalmente os trabalhadores do campo, muitos países, como o México, já tinham feito a Reforma Agrária e precisavam capacitar os seus beneficiários.
JC – Como surgiu o convite para trabalhar com o MST?
MORAIS – Assim que voltei para o Brasil fui procurado pelo MST para uma reunião. Então, eles me disseram que queriam saber tudo sobre as ligas camponesas. Então eu falei: passa a página do livro, a história de vocês é outra.
JC – Como você avalia, hoje, a questão agrária no Brasil?
MORAIS – O Brasil tem terra em quantidade e, por essa razão, não faz sentido haver fome. O que é necessário é que as terras sejam preparadas para produzir. É necessário dar oportunidade para que todo cidadão tenha direito a terra. Na reforma agrária mexicana, a constituição determinava que todo mexicano teria direito a 20 hectares de terra. E olhe que o México é um país que tem metade da nossa superfície. Só com uma verdadeira reforma agrária não irá haver fome no Brasil.
JC – A que você atribui a crise que as cooperativas vêm passando?
MORAIS – Não existe uma verdadeira reforma agrária no Brasil e por isso não se pode desenvolver uma prática sistemática nas cooperativas brasileiras.
JC – Como você acha que será o comportamento do governo Lula para a Reforma Agrária?
MORAIS – Eu creio que no Governo Lula vai haver reforma agrária. Pelo menos eu espero. Porque não pode haver ‘Fome Zero’ sem abundância de alimentos. E não pode haver abundância de alimentos sem reforma agrária.
JC – Porque você acha que no Brasil ainda não houve reforma agrária?
MORAIS – Porque a economia brasileira sofre uma tremenda influência dos latifundiários. Um exemplo foi a criação dos sindicatos agrícolas. Só depois das Ligas Camponesas foi que se permitiu aplicar a legislação trabalhista no campo.
