domingo, janeiro 26, 2003

Enquanto Natália relaxa na ilha de Itamaracá, eu, Carol, posto aqui uma matéria ótima que ela escreveu para editoria de Economia do Jornal do Commercio:


Crise atinge as cooperativas
12/Jan/2003


Criadas para tornar a produção de pequenos agricultores mais competitiva, as cooperativas rurais vivem uma situação difícil. Falta de crédito é o principal problema

por NATÁLIA KOZMHINSKY

Utilizadas como uma forma estratégica de viabilização sócio-econômica pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as cooperativas agrícolas sofrem hoje a sua maior crise. As cooperativas são empresas formadas por sócios (cooperados) que se reúnem com o propósito de explorar uma atividade econômica eliminando ao máximo os intermediários e, com isso, buscando uma maior competitividade. Hoje, entretanto, as cooperativas se transformaram numa ferramenta política e financeira de discussão e criação de propostas alternativas de desenvolvimento.

Segundo dados do MST, existem mais de 20 mil cooperados espalhados por cerca de 700 municípios em todo País, produzindo desde alimentos de primeira necessidade como frutas, grãos e até produtos industrializados como o jeans. Em Pernambuco há 15 cooperativas, sendo duas regionais, 12 de produção e uma estadual.

Criadas em 1988, as cooperativas do MST receberam diversos prêmios internacionais, entre eles, o prêmio da Associação dos Engenheiros Industriais da Catalunha pelo desenvolvimento de projetos agrários no Rio Grande do Sul. No entanto, a partir de 2000, elas passaram a sofrer denúncias de desvio de verbas federais e de cobrar “pedágios” dos assentados ilegalmente.

O coordenador regional do MST, Jaime Amorim, atribui a crise das cooperativas no País à falta de investimentos públicos. “As cooperativas necessitam de financiamentos para se desenvolver e poder investir em assistência técnica e novos equipamentos. Não há crédito para as cooperativas agrícolas do MST e sem crédito nós não podemos produzir”, argumenta Amorim.

Amorim também negou que existissem qualquer tipo de irregularidade nas cooperativas e criticou o ex-ministro da Reforma Agrária Raul Jungmann, segundo ele, o principal articulador das denúncias.

O superintendente do Incra no Estado, Geraldo Eugênio, rebateu às críticas de Jaime Amorim. “O grande erro das cooperativas do Nordeste é que elas deixaram de ser do grupo de assentados e passaram a se personificar em algumas pessoas. E, de fato, o dinheiro destas cooperativas não estavam sendo bem administrado. O que fez com que as cooperativas enfrentassem esta crise. Agora, em relação ao ex-ministro Raul Jungmann, se a reforma agrária não se desenvolveu como tinha que ser, houve realmente um avanço”, disse Eugênio. No entanto, o superintendente admitiu que as cooperativas representam um bom modelo de desenvolvimento agrário.

“Não há o Fome Zero sem reforma agrária”
12/Jan/2003


Ex-deputado pernambucano pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Clodomir Morais trabalhou como conselheiro para a capacitação de trabalhadores da Organização das Nações Unidas (ONU) durante 22 anos. Ao longo desse período, atuou em diversos países da América Latina e Europa, entre eles Peru, México e Portugal. Clodomir também participou da capacitação de centenas de trabalhadores rurais assentados e auxiliou no processo de formação das cooperativas agrícolas ligadas ao Movimento dos Sem Terra (MST).

Hoje, ele é professor de Sociologia da Universidade Federal de Rondônia e coordenador do Instituto de Apoio Técnico aos Países de Terceiro Mundo, Iattermund. Autor de mais de 20 livros, que têm como temas centrais a reforma agrária e a geração de emprego e renda, criador do Método de Capacitação Massiva utilizado pelo MST em Rondônia, Clodomir Morais, em entrevista à repórter Natália Kozmhinsky, fala sobre o futuro das cooperativas agrícolas e a questão agrária no Brasil.

JORNAL DO COMMERCIO – Como surgiu o seu Método de Capacitação Massiva?

CLODOMIR MORAIS – Surgiu com o propósito de gerar postos de trabalho e renda para a população mais carente. A minha primeira experiência prática foi na década de 60, com as Ligas Camponesas, onde comecei a capacitar trabalhadores agrícolas para criar as empresas.


JC – E como foi essa sua experiência no exterior?

MORAIS – Bem, a minha experiência foi bem interessante, porque no momento em que era proibida a organização dos trabalhadores no Brasil, principalmente os trabalhadores do campo, muitos países, como o México, já tinham feito a Reforma Agrária e precisavam capacitar os seus beneficiários.


JC – Como surgiu o convite para trabalhar com o MST?

MORAIS – Assim que voltei para o Brasil fui procurado pelo MST para uma reunião. Então, eles me disseram que queriam saber tudo sobre as ligas camponesas. Então eu falei: passa a página do livro, a história de vocês é outra.


JC – Como você avalia, hoje, a questão agrária no Brasil?

MORAIS – O Brasil tem terra em quantidade e, por essa razão, não faz sentido haver fome. O que é necessário é que as terras sejam preparadas para produzir. É necessário dar oportunidade para que todo cidadão tenha direito a terra. Na reforma agrária mexicana, a constituição determinava que todo mexicano teria direito a 20 hectares de terra. E olhe que o México é um país que tem metade da nossa superfície. Só com uma verdadeira reforma agrária não irá haver fome no Brasil.


JC – A que você atribui a crise que as cooperativas vêm passando?

MORAIS – Não existe uma verdadeira reforma agrária no Brasil e por isso não se pode desenvolver uma prática sistemática nas cooperativas brasileiras.


JC – Como você acha que será o comportamento do governo Lula para a Reforma Agrária?

MORAIS – Eu creio que no Governo Lula vai haver reforma agrária. Pelo menos eu espero. Porque não pode haver ‘Fome Zero’ sem abundância de alimentos. E não pode haver abundância de alimentos sem reforma agrária.


JC – Porque você acha que no Brasil ainda não houve reforma agrária?

MORAIS – Porque a economia brasileira sofre uma tremenda influência dos latifundiários. Um exemplo foi a criação dos sindicatos agrícolas. Só depois das Ligas Camponesas foi que se permitiu aplicar a legislação trabalhista no campo.



sexta-feira, janeiro 24, 2003

Hoje eu consegui matar um pouco da minha saudade da Internet (faz mais de 1 mês que meu pai tirou o fio que ligava o telefone ao computador). Seria humanamente impossível ler todas as mensagens que foram acumuladas nos meus e-mails durante este tempo. Mas eu pude ver algumas coisas interessantes. Segue um dos textos que eu recebi do site comunique-se.

Donos da Escola Base processam imprensa

Os donos da escola Escola Base, Icushiro Shimada, Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga entraram com ação por danos morais contra a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, SBT, TV Globo, Veja, TV Record, Rádio e TV Bandeirantes e IstoÉ. Eles querem R$ 1 milhão de cada veículo de comunicação pelo "linchamento moral" que sofreram. Os processos foram impetrados no início de janeiro na Justiça de São Paulo.
A Escola Base foi fechada depois que a imprensa divulgou que crianças matriculadas sofriam abusos sexuais. A acusação contra a escola era infundada e o inquérito foi arquivado. A imprensa já admitiu o erro publicamente em diversas ocasiões. O assunto virou tema de discussões em salas de aulas das universidades de jornalismo, seminários e eventos de comunicação do país.

OBS. O caso da escola Base é muito familiar para mim eu era praticamente vizinha da escola (na época morava em São Paulo).



sexta-feira, janeiro 17, 2003

Nós, os escravos das notícias ordinárias
José Paulo Lanyi


Toda virada de ano me vem o tal pensamento: para os otimistas, mais um ano vivido; para os pessimistas, menos um, na contagem regressiva que nos conduz ao fim da linha.

Flerto com a segunda assertiva. Melancólica, é verdade, mas inspiradora de uma interpretação tranqüila e nem por isso menos realista dos fatos que vivemos dia após dia.

Trata-se de um exercício honesto de observação. Pois, o que quer que idealizemos, nada será capaz de nos privilegiar: seremos, sim, testemunhas da inexorabilidade de um papel há muito definido pela engrenagem da natureza. Assim foi, assim é e assim será. Poderemos clonar corpos, jamais a consciência imanente a cada um de nós. Temos, portanto, a certeza da finidade da experiência histórica do indivíduo – histórica, repito, já excluindo do debate as considerações metafísicas, tema caro mas estrangeiro à proposta deste artigo.

Estender o olhar para longe do cotidiano é um privilégio. Torna tudo mais aceitável. Não se trata de uma fuga, mas de saber pesar as experiências, sem roubar para mais ou para menos. Por vezes, o que julgamos inaceitável não é mais do que um arbítrio de nossos caprichos.

O apego ao “tecnicamente correto”, expressado por um “então” chefe de redação, muitas vezes nada mais é do que... o apego ao “tecnicamente correto” do “então” chefe de redação largamente influenciado pelo contexto histórico, sócio-econômico e cultural. Um falso líder que carece de formação filosófica que lhe propicie essa visão que os antropólogos classificam de “estranhamento”. A conseqüência é paupérrima: fazem-se seres práticos com objetivos a cumprir. E nada mais.

É uma falta que contamina o grupo com conceitos definitivos, com “corolários” jornalísticos tão a gosto dos personalistas sabe-tudo. Desse saco de preceitos saem as recompensas e as punições. Autômatos julgam autômatos, com um chicote metálico nas mãos. Os que estão embaixo na pirâmide contentam-se em construir outras pirâmides – dentro e fora das redações. Propalam-se conceitos como “reengenharia”, “eficiência e eficácia”, “amoralidade do lucro”, “rabo preso com o leitor”, “respeito absoluto aos manuais”, “ética” (mas só para os outros), “tolerância zero” com os erros (dos outros)...

Tome-se esta frase extraída do livro “Hiroshima”, de John Hersey (Companhia das Letras, p. 122). O trecho versa sobre os hábitos do padre Wilhelm Kleinsorge, jesuíta alemão que se tornou cidadão japonês com o nome de Makoto Takakura (Kleinsorge era um hibakusha, um sobrevivente da bomba atômica lançada pelos americanos em Hiroshima): “O padre Hasegawa, um japonês que o visitava de quando em quando, admirava seus esforços para levar sua naturalização à perfeição, mas sob muitos aspectos o achava inabalavelmente alemão. Se algum obstáculo o impedia de alcançar seu objetivo, o padre Takakura tendia a insistir com maior empenho, enquanto um japonês tentaria, mais diplomaticamente, encontrar outro caminho”.

Parece que temos muitos “alemães” nas redações brasileiras. Almas obstinadas pela tradição e pela “nova tradição”, à retaguarda de suas viseiras douradas. Vêem apenas o que “o leitor”, “o ouvinte”, “o telespectador” precisam ver – interprete-se: o que o “mercado” deseja (mais, mais, cada vez mais e mais...).

Para além da história e do cotidiano, todos nós, jornalistas ou não, deveríamos tentar enxergar o infinito. Mais do que nos vaporizar pelo abstrato, entenderíamos melhor o hodierno.

Em uma viagem para o exterior, vi-me nutrido, num punhado de meses, de uma estranha sensação: eu poderia não ter nascido, não ter nem sequer conhecido o Brasil. Esse sentimento, revalidado a cada dia na distância de minha cultura natal, esvaziou a importância de muitos de meus embates de início de carreira (contra pessoas que, covardemente, tentaram me barrar os passos). Não que eu passasse a desprezar o resultado das altercações – traduzidas em experiência e – como bem diz o Nietzsche - na afirmação da minha vontade de potência – amparada pelo que eu julgava correto naquele momento histórico. Mas algo me chamou a atenção: a distância e a relativização do binômio tempo-espaço fizeram definhar, em minha consciência, a relevância dos “ditadores” do status, de certos diretores que se supunham – e ainda se supõem - a fina-flor do jornalismo mundial, no jardinzinho regado por capatazes sôfregos. No entanto, em meu insight, era como se nunca houvessem existido.

Precisamos refletir...

Uma sugestão – para quem não tem tempo nem dinheiro para uma pausa em nossa cultura de reprodução vazia: o livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios - A Ciência Vista Como uma Vela no Escuro” (Companhia das Letras), do cientista Carl Sagan, autor, diretor e apresentador da série “Cosmos” – disponível em boas locadoras de vídeo. Os escritos e as produções audiovisuais de Sagan – um “cético esperançoso”, um cientista de “mente aberta” nos conduzem, didaticamente, a uma viagem crítica pelo universo – nem o jornalismo escapa, acusado de incentivar, veicular e lucrar com as superstições.

Precisamos de ciência e de filosofia...

Em sua primeira edição de 2003, o site Observatório da Imprensa publicou um excelente artigo de Ulisses Capozzoli, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) e editor da revista Scientific American Brasil. Sob o título “O sentido de estarmos aqui”, o autor nos convida a “recuperar alguns valores da vida”. Dois trechos capitais:

a) “Uma das funções do jornalismo, ao menos do jornalismo impresso, certamente é a de discutir o que o professor João Battistioli, da PUC-SP, chamou outro dia, num debate sobre clonagem transmitido pela TV Assembléia, de ‘niilismo profundo’, evocando reflexões de Nietzche e Schopenhauer. Do interior do niilismo, o mundo não faz sentido.

Mas as redações são, na maioria dos casos, elas próprias espaços de negação. Jornalistas, talvez mais que outro tipo de gente, são prisioneiros do universo cartesiano. Trabalha-se em fins de semana, dias santos e outros feriados. Diariamente, a cada final de semana, todo fim de mês, dependendo da publicação, é preciso fechar uma edição. Não sobra tempo para reflexão”.

b) “Também as estrelas nascem, vivem e morrem. Se um observador não levar em conta nada disso, certamente terá perdido a melhor parte da experiência de estarmos aqui. Daí a vantagem deste balanço de fim de ano e a perspectiva de se vivenciar o que os gregos antigos chamaram de ‘cosmos’, o sentimento de harmonia, de pertencer ao Universo e não apenas o sentimento de derrota por não ser um super-homem ou uma supermulher. Até porque, para cada um deles, também há uma porção de kriptonita”.

Já disse que precisamos de reflexão, de ciência e de filosofia. A combinação que nos apresentará a humildade, em nossas atitudes e, também, no reconhecimento de que estamos subjugados pela roda-viva de uma mesmice presunçosa, pela escravidão de um modelo de “profissionalismo” asfixiante e por um arcabouço noticioso engessado e comprometido com a intrigante monotonia de nossa era: muito se faz e muito se diz sobre muitas coisas; pouco se pensa sobre como tudo isso pode ser descartável - apesar da pose de “importante”, da fachada onde se lêem palavras como “imprescindível”, “competente” e “superior”.

Resumindo: como diria meu avô húngaro, quanta ilusão...

Fonte: www.comunique-se.com.br